sábado, 9 de maio de 2009

Fiamma che non si spegne (1949) - Vittorio Cottafavi



"No início de Il boia di lilla, o rosto da heroína, quando escuta o galope dos cavalos, se petrifica, enquanto ela murmura: 'Os Mosqueteiros'... Em O Carrasco de Veneza, um duque se bate em duelo. Acaba de ser ferido. Ele se encontra fora de campo, mas torna, a figura e o corpo estupefatos, imerso na morte; ele entra marchando, como se descobrisse com um espanto imenso seu próprio fim, e pouco a pouco é invadido por este, até finalmente tombar. Em Fiamma che non se spegne, ainda não distribuído na França, uma cena nos mostra uma jovem que acaba de saber que seu marido foi morto. Ela compreende a notícia através de uma troca de olhares, pelo peso do silêncio que a acolhe quando entra em casa. Retira-se para seu quarto. Nós não vemos imediatamente seu rosto, mas ela se volta para a câmera com lágrimas que marejam seus olhos. Assistimos à invasão lenta e inelutável de uma alma pela dor, filmada face a face neste quarto, nesta solidão absoluta, como se, tendo penetrado aí por efração, contemplássemos com horror sagrado aquilo que ninguém deveria contemplar.

Estes exemplos ilustram uma dimensão capital da mise en scène de Cottafavi, a noção de irrupção, que domina os instantes de crise. É o único cineasta que filma sistematicamente a instalação da crise, ao invés de passar diretamente à sua expressão já instalada. Toda atenção é fixada nesta passagem entre a calmaria e a tempestade, segundo infinito onde o ser é surpreendido em uma íntima transformação, que o desapossa de sua liberdade e de sua consciência lúcida, orienta-o totalmente em direção a um único fim e, de alguma forma, mineraliza-o em sua paixão. É esta petrificação do ser que a câmera descobre, dando-nos a vertiginosa sensação de violar um segredo, de penetrar em uma zona interdita, como o que se pinta no rosto de uma mulher no instante em que o prazer a invade e absorve."

Michel Mourlet, Du côté de Racine, Présence du Cinéma n° 9, dezembro 1961

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