sábado, 9 de maio de 2009

Le voyage à travers l'impossible (1904) - Georges Méliès



"Inventor do espetáculo cinematográfico, Méliès sente que tudo aquilo que aparece sobre uma tela deve ser por essência espetacular, isso quer dizer fascinante e crível, que se trate das atualidades reconstituídas ou da feeria mais delirante. Essa intuição pulveriza as dinstinções falaciosas, e a história do cinema (a despeito dos próprios historiadores) lhe dará inteiramente razão. Efetivamente, um filme como Una voce umana de Rossellini (uma mulher ao telefone sozinha num aposento durante 35 minutos) e Os Dez Mandamentos de DeMille são tão espetaculares um quanto o outro. Notemos brevemente que com suas atualidades reconstituídas, Méliès terá se antecipado sobre a política-espetáculo. Sua formação de prestidigitador era a melhor possível, não somente para inventar o espetáculo cinematográfico, mas para lhe fixar os valores essenciais, ainda válidos hoje em dia. A mise en scène consiste em efeito, como a prestidigitação, a dirigir e se apropriar do olhar do espectador, a fazer com que ele veja aquilo que se quer que veja, à exclusão de todo o resto. As qualidades psicológicas e as intenções do prestidigitador são também aquelas do verdadeiro cineasta. Tanto um como o outro nos fazem descrer na realidade ao substitui-la pela deles. Eles tornam o maravilhamento inseparável da inquietude, o fantástico e o humor indissociáveis da vertigem. Sobre o plano técnico, certos exegetas modernos querem a todo custo que haja montagem em Méliès, como se isso aumentasse sua modernidade. Ao contrário, os planos longos e generosos, aos quais estava restrito e que não desejava enriquecer que através de uma profusão de trucagens e eventualmente de personagens, unir-se-ão ao cinema mais moderno ou antes será reencontrado por ele. Dando a ver ao espectador a porção do real que escolheu (pelo lugar da câmera e pelo quadro), lhe fornecendo uma (falsa) impressão de liberdade com relação ao conteúdo desse quadro, seu cinema anuncia, para não citar que dois nomes, o de Tati e o de Fritz Lang. A reflexão sobre Méliès está apenas começando; ela não está perto de chegar ao seu término porque nesse precursor genial as noções de base do cinema como espetáculo já se encontram largamente exploradas."

Jacques Lourcelles, Dictionnaire du cinéma: Les Films, Paris: Laffont, 1992.

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