Capítulo I.
O espaço pictórico.
Murnau, nos seus filmes, e em Fausto particularmente, manifesta uma real e profunda cultura pictórica. Ele é um dos raros cineastas - com Eisenstein e Dreyer - em que a concepção fotográfica deve mais à pintura dos museus que à imageria popular. Nós não tomamos, aliás, esse último termo de má fé. Visando alturas muito altas, o cinema corre o risco de rasgar os seus rins, e não evita assim a armadilha da afetação. Os inspiradores dos primeiros filmes de ficção foram, como se sabe, caricaturistas. Antes de ser rodada por Lumière, L'Arroseur arrosé foi uma "história sem palavras" desenhada por Herman Vogel e por Christophe. Nascido da história em quadrinhos e inspirando por sua vez essa, o cinema toma naturalmente lugar no interior dessa "imageria" que os pintores e os teóricos de hoje em dia tomam por um ramo acessório e menor das Belas Artes. (...) Se Fausto é o mais pictórico de seus filmes é porque o combate da sombra e da luz lhe constitui o assunto. (Em A Última Gargalhada e Tartufo, a forma arquitetural concebida por Karl Mayer, na etapa de roteiro, pesa demais sobre o jogo.) A utilização da iluminação dá ao cineasta um controle de outro modo mais preciso da sua matéria fílmica que a inserção desta num determinado esquema de arquitetura. É a luz que modela a forma, que a esculpe, e o cineasta - sem se distanciar da sua humildade de princípio - parece estar lá apenas para registrar esse ato de criação, para nos permitir assistir à gênese de um mundo verdadeiro e belo como a pintura, porque é pela pintura que a verdade e a beleza do mundo visível nos foram, no curso das épocas, reveladas.
Eric Rohmer, L'organisation de l'espace dans le Faust de Murnau, UGE, 1977
sábado, 9 de maio de 2009
Fausto (1926) - F. W. Murnau
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